domingo, 7 de dezembro de 2014

VIDAS

o meu filho quer ser um youtuber.
quem sou eu pra dizer alguma coisa sobre isso?
ele me provou estatisticamente que conseguirá viver disso, e logo.
do alto dos seus oito anos. e algumas vidas.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

UM OLHAR PODE EMBRIAGAR

a crônica tem muito mais a ver com uma condição do olhar do que com uma forma literária
a gente lê crônica para saborear um outro olhar, diferente do nosso
o cronista é pago pra olhar. tem tempo pra isso. 
ele observa atentamente a realidade, coisa que ninguém tem tempo pra fazer.
e quando ele fala o que vê, inspira outros a verem também

TEMPO DE VIVER

houve um tempo em que eu pagava um terapeuta, muito gente boa.
ele era um excelente terapeuta. mas era um ser humano ainda melhor.
o dr. dimas tinha a idade para ser meu pai, um pouco menos.
mas era um senhor jovem, bem resolvido, que trabalhava só no meio da semana. seus finais de semana incluíam o sábado e o domingo
ele gostava muito de fazer o que fazia, mas se dava cada vez mais tempo para ir para sua casa de campo, ou sua casa de praia, não me lembro bem.
eu pouco sabia sobre sua vida pessoal. mas aqueles nossos encontros tinham um grande frescor. custavam caro, e eu pagava com o maior prazer. porque daquilo a vida se tratava. 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A INSPIRAÇÃO

Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.

Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.

Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.

Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
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de Otto Lara Resende
Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O BICHO COMEDOR DE IDEIAS
Marcio Reiff

Era uma vez um menino que tinha muitas ideias.
O dia inteiro ele ficava tendo ideias.  
Tinha ideia de desenhar um tubarão voador. Ideia de transformar o espremedor de batatas num satélite espacial, idea de cortar uma garrafa de coca e fazer um castelo Enfim, ideia era o que não faltava naquele menino.
Um dia o menino percebeu que suas ideias começaram a desaparecer da sua cabeça. Ele pensava em algo legal e logo em seguida a ideia desaparecia.
Aí ele resolveu ficar bem quietinho, sentado, vigiando pra ver se alguém vinha pegar as suas ideias. Mas ninguém veio.
Como estava sem fazer nada, acabou tendo uma ideia de como pegar o ladrão de ideias. Mas logo  Mas essa ideia também desapareceu.
Então o  menino teve a ideia de colocar pedras de gelo na cabeça, para que as suas ideias não derretessem. E teve também a ideia de usar um boné, pra que as ideias não voassem.
Foi jogando packman que o menino desvendou o mistério: devia haver um bicho comedor de ideias dentro da sua cabeça. Um bicho muito, mas muito guloso. Um bicho capaz de comer todas as ideias que encontrasse pela frente.
E quanto mais o bicho crescia, maior ficava a sua boca, e mais ideias ele podia comer.
O menino teve muitas ideias para exterminar o bicho. Mas todas as ideias iam direitinho pra boca do bicho, que ficava cada vez maior. 
De tanto comer ideias, o bicho foi ficando muito gordo,  tão gordo que mal cabia dentro da cabeça do menino.
E continuou crescendo, espremendo-se naquela cabecinha... até que... explodiu!

Todas as ideias que estavam na barriga do bicho voltaram para a cabeça do menino. Aí ele ficou com um mundaréu de ideias  e nunca mais se preocupou com o sumiço de algumas.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

terça-feira, 24 de junho de 2014

Olhar é uma coisa que a gente aprende. 
Falando o que vejo, o meu olhar fica disponível para os outro.
A crônica é o olhar voltado para essas coisas que ninguém vê, coisas pequenas do dia a dia.
O trabalho do cronista é olhar as coisas. Para que os outros também possam ver com seus olhos.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

quinta-feira, 5 de junho de 2014

PERMITA-SE

tenha canetas coloridas sempre à mão
nossas crianças adoram fazer arte

todo mundo tem um filho pintor de parede,
pintor de sofá

crianças preferem pintar onde não pode, porque é mais inusitado e portanto mais interessante

permita-se desenhar no azulejo da cozinha com canetinhas coloridas. 

um dia risque o sofá pra valer, com todas as tintas

terça-feira, 3 de junho de 2014

A guy sees his wife kissing another man on bar's table. He gets closer and finds out that she was kissing his best friend. 
He gets surprised, especialy because his wife should be travelling during week, leading a project many miles from that place. 
He walks slowly toward them. The couple see him, but both can't say a word.
He looks profoundly into her eyes. She looks back. They keep talking in a profound silence for a while. 
_I am not going to say anything that my eyes haven't said - he says.
Than he looks into his friends eyes. And they stay quiet, for half an hour.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

PRATA, AGORA O OUTRO

Quem me arrasta para ótimas viagens é o Antônio Prata, um cronista saboroso, entendam isso com quiserem. 

A crônica dá sabor à vida, como se ela o tivesse, e tem. 

domingo, 11 de maio de 2014

VIAGEM


_ Se estivéssemos só nós dois, passeando numa praia deserta de uma ilha do Caribe, você transaria comigo no mar?
_ Que que é?
_ Se estivéssemos andando de mãos dadas por uma praia deserta, depois de termos bebido duas garrafas de champanhe, eu com um vestido branco colado ao corpo e você sem camisa e sem sapatos, ambos iluminados pelo sol nascendo no mar...
_ Dá pra você ser mais objetiva?

_ Por que você nunca mais beijou o meu pescoço?

sábado, 10 de maio de 2014

BARATAS

Num resort de panelas e pratos sujos, duas baratas fazem amor e nem notam minha presença onipotente.
Devo aniquilar um casal de amantes, envenenando-os sobre a pia da cozinha?
Descontarei neles a raiva pelo meu próprio desleixo? 
Ensandecido, dou- lhes um jato de inseticida. Outro. E mais outro. 
No dia seguinte, os insetos ainda se arrastam, até receberem a vassourada de misericórdia.
APARÊNCIAS


O mundo das aparências é muito interessante. Um paletó na cadeira de trabalho pode significar que a pessoa já chegou. Mas se o paletó ficar por mais de um dia lá, pode significar que a pessoa faz tempo que não chega.
Se você quer ler jornal no trabalho e teme que isso seja visto como falta de assunto ou perda de tempo, a sacada é ler de pé, com o jornal apoiado sobre a mesa, como se você, ao passar por ali, tivesse visto uma notícias dessas fundamentais para a sobrevivência da empresa. Faça um ar de gerúndio.

E se quiser dormir um pouco depois daquela feijoada, prepare a desculpa antes fechar os olhos com o rosto colado na mesa de trabalho. Assim, quando você acordar e o chefe estiver passando por ali, a rapidez da sua justificativa pode até colar. Diga que os índios também identificavam tremor de terra com os ouvidos no chão.  Sei lá. Mas seja criativo e não titubeie. Se você conseguir que o chefe também encoste a cabeça dele na mesa, tome muito cuidado para que não seja em cima da sua baba.

ESPELUNCA






 Parei num daqueles restaurantes de beira de estrada, que a gente pode chamar de espelunca. Olhei para balcão de vidro e pedi uma coxinha. O balconista pegou a coxinha, deus uns tapinhas nela, tirando um pó amarelado e disse: “Isso não é coxinha não, moço. É ovo.”
No balcão também tinham umas salsichas em conserva, que pareciam se mexer dentro do vidro. Pedi então uma porção de macarrão e uma pinga, pra matar qualquer germe que tivesse ali. Junto com o macarrão veio um prato com umas manchas esquisitas.
“Quequé isso aqui no prato, moço?”.
“É desenho”, ele respondeu.
“Então deve ser desenho animado, porque está mexendo”, concluí.
Tomei só a pinga - pra esquecer - e pedi a conta. O balconista então fez a soma das despesas, rabiscando com o dedo a gordura que havia no fundo de um prato.

Antes de sair, tomei o cuidado de lavar muito bem as mãos com um pouco daquela pinga.
FILA

Brasileiro gosta de uma fila. Ele acha que tudo que é muito fácil não tem valor. Então tem que pegar fila.
A gente pega fila até sem saber por quê. O negócio é garantir um lugar. Vai que é bom.
A fila é um grupo virtual que tem por objetivo se desfazer o quanto antes. Por mais legais que sejam as pessoas na fila.
Mas gente que não é tão legal. O fura-fila é aquele cara que pára pra conversar com a pessoa da sua frente e acaba passando você e o resto da fila na conversa. Pode ser que ele seja o último a ser atendido e você será, literalmente, passado pra trás.
A fila que a gente entra normalmente é aquela que não anda. E se a gente mudar de lugar, a outra é que não vai andar.
Quanto maior é a fila, mais o seu lugar está valendo. Tem gente que ganha a vida guardando lugar em filas. Leva cadeirinha, colchonete e até fogãozinho. Depois vende o lugar e compra outra cadeirinha, pro filho também entrar na profissão.
Duro é pegar a fila errada. Quando chega a nossa vez a gente descobre que perdeu três horas à toa. Quer dizer: não totalmente à toa. A gente aprendeu a conjugar o verbo filar.
Filou um cigarro. Filou uma bolacha. Filou o caderno de esportes do jornal do vizinho. Filou um carteado. Mas não importa: foram três horas numa fila sem precisar.
E tem aquela fila que não anda, porque sempre entra uma gestante na sua frente. Sem barriga nem nada. Fila da mãe!


Olho pra vida e não vejo uma saída.

Que falta fazem as aeromoças.
Quando a internet surgiu, uma imagem levava um tempão pra ser baixada. E vinha linha por linha, como uma máquina de tecer. Na tela do computador, a mulher ia ficando nua aos pouquinhos. Tinha o sabor de um streep tease.

RAIMUNDO BATISTA

RAIMUNDO BATISTA

A vida de Batista é bater. Bate a mão no despertador às cinco da manhã. Bate uma gemada. Bate a porta de casa. Alguém bate a sua carteira no ônibus.
Sua carteira tem uns poucos trocados, fotocópia do RG, uma fração da loteria federal e duas fotos: uma batida com a mulher, em Aparecida, e outra no estádio de futebol, com os filhos.
Bate cartão às oito. Aí bate carimbo até as cinco da tarde. Papéis e mais papéis passam pelas suas mãos para serem carimbados.
Bate o sino do almoço. Toma uma batida de limão e come umas batatas fritas no boteco. Às vezes come uma salsicha em conserva e passa o aresto da tarde com azia.
Bate os olhos numa morena nova na repartição.
Bate o cansaço. Bate o cartão. Bate em retirada.
Bate mais uma pinga. Bate a lembrança da colega de trabalho. Bate a fome. Volta à pé, sob a garoa fina.
Bate na porta. Bate na mulher.
_Você está bêbado, Batista!
_De amor, mulher. E não é por você!
Batista cai sobre a mesa, derrubando o vaso de louça, com flores de plástico. 

Amanhã, sua mulher beija-lhe a testa fria: Batista bateu as botas. 

SMOKE


MÃE

mãe não rima com nada
porque não tem nada igual
mãe é mãe
e ponto final

sábado, 3 de maio de 2014

IMPORTÂNCIA


O que é que o guerreiro e o palhaço têm em comum? Na próxima quarta-feira, nós iremos explorar esse assunto tão instigante e divertido, e eu resolvi escrever uma crônica sobre esse assunto. 
Algo me diz que ele é um assunto muito legal. Mas por enquanto eu só tenho três linhas escritas, o que significa que eu não posso contar com o ovo na barriga da galinha, se é que o ditado é esse mesmo.
Eu serei o palhaço, que estarei ao lado do mestre em aikidô, José Bueno, do Instituto Harmonia, para um divertido encontro. O evento é aberto ao público, que pode se inscrever aqui: https://docs.google.com/forms/d/1DVClNLxZEi-aX1nuvkWkbvKPt_61Bp7ZaxbXCdZBiew/viewform

MAS DEIXE ISSO PRA DEPOIS

AGORA FIQUE COMIGO NESSA EXPLORAÇÃO.

O QUE É QUE O GUERREIRO E O PALHAÇO TÊM EM COMUM?

AMBOS SÃO VULNERÁVEIS. AMBOS LIDAM O TEMPO TODO COM O IMPREVISÍVEL. TUDO É IMPREVISÍVEL. E O QUE É PREVISÍVEL É UM TÉDIO. 

E se você chegou agora e não está entendendo nada, fique tranquilo, nem eu. 

sexta-feira, 2 de maio de 2014

O que você faria se tivesse uma TV movida a traço?  Não sentiria uma extraordinária liberdade? Olha o lado bom:  você e eu estamos aqui. Um encontro casual. Uma colisão. Sem vítimas. Por enquanto.

Aqui eu não  escrevo nada de bom, não preciso agradar  nenhuma opinião pública. Esse é o lado bom do anonimato. Ótimo.

Você e eu somos os únicos visitantes desse blog. Eu venho aqui pra ter a coragem de dizer asneiras em público. E você vem porque. Bem, você deve saber.

Eu sou um escritor. Escrevo para as paredes. E nas paredes.






quinta-feira, 10 de abril de 2014

POESIA CRÔNICA

Desde pequeno eu gostei de ler crônicas. Era o que mais me interessava nos jornais. Um olhar novo sobre coisas triviais, pequenas, prosaicas, como gostam de dizer.
A crônica é a quintessência da poesia. Uma poesia tão sutil que não se assume pela forma, mostrando que a poesia está na vida, está no olhar.